quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

  O Camarada Adão Veiga colabora novamente com nosso blog enviando um texto que lhe rendeu o primeiro lugar no Prêmio Literário da Academia riograndina de Letras.




O velho
Adão Luís Veiga
Entardecer. Um momento especialmente feliz, a atmosfera se enche de tons laranja, vermelho, rosa. As folhas ainda caem, naquela praça e naquele final de outono. O velho gosta de estar ali. Sente-se em casa, o velho. Pensa em mais um poema, outro poema, que ninguém, jamais, leria.
Mesmo assim, ele pensa, e escreve. Escreve sempre, desde o dia em que ouvira um poeta declamar, voz quente, descrevendo coisas lindas, aquela linguagem que só os poetas conhecem. Foi também num final de outono. E agora está ali, o velho escritor, o poeta, que ninguém sabia que existia, que ninguém lia.
Escrevia para respirar.
Escrevia para sonhar.
Escrevia para viver.
Mas ninguém sabia. E naquele outono ele ainda respirava seus poemas tão belos, seus versos tão sutis e tão raros e tão... desconhecidos.
Puxa o papel já de um amarelo esmaecido, seu lápis, tudo estava dentro da bolsa de couro que o acompanhava há tantos decênios. Sentado no banco de madeira da praça, as árvores como testemunhas, seu poema, seu último poema, sai como sempre com dores de parto.
Suas mãos trêmulas ensaiam as primeiras letras. O peito sacode levemente. Ele olha para suas mãos, vê os sulcos deixados pelo tempo. A dor, sua tão conhecida amiga, torna-se agora bem mais forte.
Os pássaros silenciam seu cantar. Parece que as árvores se inclinam na direção do idoso homem, como em reverência. As únicas testemunhas do esforço daquele poeta que ninguém conhecia e ninguém lia, mas que escreveria até a morte.
Um vento morno sopra suavemente, o som das folhas rompendo do arvoredo e caindo ao redor do velho, o banco de madeira torna-se tão aconchegante.
Num frêmito, a dor empurra sua mão, escreve uma palavra apenas, antes de adormecer finalmente.
Eternidade.
Esta era a palavra. Os poetas são eternos, mesmo os nunca lidos.

Fim

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