quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

URUGUAI: jornalista critico á lei da anistia é intimidado por grupo no Facebook.


O debate em torno da anulação da lei de anistia no Uruguai, que impede repressores da ditadura militar (1973-1984) de serem julgados, foi acirrado após um jornalista ser intimidado por um grupo simpatizante do exército uruguaio. Os dados pessoais de Roger Rodriguez, repórter investigativo do jornal La República e da revista Caras y Caretas, foram divulgados na rede social Facebook.
O grupo publicou o endereço, números de telefone e identidade e o nome dos pais de Rodriguez na página "Apoio Foro Liberdad y Concordia". O jornalista afirmou que a ação teve a intenção de incitar seu assassinato. “Não quero dar declarações. Tudo que eu disser pode ser usado contra mim. Mas, sim, foi uma ameaça”, disse Rodríguez ao Opera Mundi.
Os dados foram publicados após a veiculação de reportagem na revista Caras y Caretas intitulada "La ofensiva de los indagables" (A ofensiva dos inquestionáveis). O texto defendia a investigação de crimes cometidos no período ditatorial no Uruguai e noticiava o surgimento do grupo de apoio ao exército no Facebook.
O conteúdo do post, que já foi apagado, dizia: "Juan Roger Rodríguez Chanardi por vezes é jornalista do jornal difamatório La República, 'Investigador privado sem patente' e testemunha (quando o deixam). De algo precisa viver e este é seu trabalho". "O citado é filho de Hermes Rodríguez e Teresa Chanardi, tendo cédula de identidade N° X.XXX.XXX-X. Vivia na rua XXXX N° XXXX. Telefone XXXX-XXXX e nasceu em 1° de fevereiro de 1960. Solicita-se, aos membros do grupo, confirmar a localização da rua XXXX. Obrigado".
O "Apoio Foro Liberdad y Concordia", com cerca de mil membros, se define como “espaço para debater a hostilidade que as Forças Armadas uruguaias estão sofrendo por parte da 'Justiça'”. Ele é composto por usuários que defendem a atuação do Exército durante a ditadura e a continuidade da lei de anistia.
Um dos participantes, o tenente coronel aposentado Héctor Varela, nega que tenham incitado ações violentas. Em declarações à imprensa uruguaia, justificou: "Eu não publiquei nenhuma ameaça, eu publiquei uma informação”.
"Para que as pessoas saibam onde vive e onde trabalha, de repente precisam falar com ele, como é um homem tão inquieto”, afirmou.
Diante da polêmica envolvendo o vazamento de dados do jornalista, membros do grupo não hesitam em reforçar essa postura: “Siiiiim, sou 'fanática' pelas Forças Armadas, ué? Não posso??”, escreveu um dos participantes.
O moderador do grupo, em caixa alta, responde para o “jornalista chorão”: “VOCÊS FORAM OS PRIMEIROS A COLOCAR O NARIZ EM NOSSAS COISAS, OU SENÃO, COMO COLETOU OS DADOS [da reportagem], ROGER?”.
Um usuário, que chegou a insultar Roger, quando o jornalista contestou a divulgação de seus dados, publicou nesta quinta-feira (10/02), em tom jocoso, um pedido de desculpas “ao respeitado jornalista e a seu veículo governista”. Há também documentos como uma carta enviada pelo tenente coronel José Gavazzo ao presidente José Mujica, na qual deslegitima a investigação da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), por violações de direitos humanos na ditadura.



Anistia



Na avaliação do analista político uruguaio Agustín Canzani, não se trata de um movimento com forte apoio da sociedade e ainda é cedo para dizer se é o início de uma tendência. Para ele, essas pessoas representam ex-repressores e alguns defensores da ditadura como um “processo de reorganização nacional”.
“É uma ação de um grupo pequeno, mas que representa uma parte da sociedade uruguaia. Não acredito que tenha apoio da sociedade uruguaia como um todo”, disse ao Opera Mundi.
A anulação da Lei de Caducidade, como é chamada a lei de anistia uruguaia, está sendo discutida desde agosto do ano passado, quando o governo formulou um projeto de lei que, se aprovado, permitiria o julgamento de pessoas envolvidas na ditadura. Resta a discussão no Senado.
A Lei de Caducidade foi promulgada em 1986, no primeiro governo da redemocratização, de Julio María Sanguinetti. A medida foi ratificada em dois plebiscitos, em 1989 e 2009.
O argumento usado pelo governo de Mujica é o de que o país é signatário de acordos com órgãos internacionais que preveem a punição de crimes de violação de direitos humanos e, portanto, precisaria dar uma resposta à comunidade internacional.
Atualmente, o Uruguai está sendo processado na CIDH por um único crime cometido durante a ditadura. Trata-se da denúncia feita por Macarena Gelman, cujos pais foram sequestrados em Buenos Aires, em agosto de 1976, e depois enviados a Montevidéu, onde foram assassinados. A sentença deve ser emitida até o final do ano.
O país sul-americano já foi condenado duas vezes pelo Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos pelos casos de impunidade. De acordo com dados de entidades de defesa de direitos humanos do Uruguai, pelo menos 200 pessoas desapareceram naquele período.




Ameaças



Na Argentina, a lei de anistia foi eliminada em 2005. Desde então, repressores da última ditadura estão sendo processados, entre eles, o primeiro presidente do regime, Jorge Rafael Videla, condenado em dezembro do ano passado à prisão perpétua.
Contudo, os julgamentos não têm apoio de toda a sociedade. Representantes de organizações de direitos humanos, como a H.I.J.O.S. (Filhos pela Identidade e Justiça, contra o Esquecimento e o Silêncio), denunciam ameças feitas por defensores da ditadura. Há registro inclusive de uma pessoa desaparecida, o pedreiro Julio López, em 2006, após testemunhar contra um militar acusado de crimes contra a humanidade e condenado à prisão perpétua.

Retirado do Opera Mundi

por Victor Nobre

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