sexta-feira, 22 de abril de 2011

Redução de tripulação


Matéria escrita

 Quando comecei na Marinha Mercante, há quase 20 anos atrás, o cartão de lotação dos navios da classe “M” era:
Comandante (CLC)
Imediato (CCB)
Primeiro Oficial de Náutica
Segundo Oficial de Náutica (x2)
Primeiro Oficial de Radiocomunicações
Chefe de Máquinas (OSM)
Primeiro Oficial de Máquinas
Segundo Oficial de Máquinas (x3)
Eletricista
Mecânico
Condutor
Contramestre
Bombeador (x2)
Enfermeiro (ASD)
Marinheiro de convés (x4)
Moço de convés (x2)
Marinheiro de Máquinas (x4)
Moço de Máquinas (x1)
Primeiro Cozinheiro
Segundo Cozinheiro
Taifeiro (x4)
Éramos 35 tripulantes. O Imediato, o Primeiro Oficial de Máquinas, Condutor e 1 Marinheiro de Máquinas (Paioleiro) não tiravam quarto.
Quando começaram as reduções, os primeiros a saírem do cartão de lotação (segurança) foram dois Taifeiros. Os Comandantes perderam o Taifeiro que lhes era exclusivo e começaram a dividir a mesa de refeição com os Oficiais. Mais tarde unificaram os salões da guarnição e dos suboficiais. Algum tempo depois surgiu o balcão térmico e unificaram também o salão dos Oficiais tornando-se assim um salão de refeição único. De 4 taifeiros passamos a ter somente 2.
Os tripulantes passaram a fazer a limpeza de seus camarotes e a trocar sua roupa de cama e banho.
Logo em seguida foi a vez do Oficial de Radiocomunicações com a entrada em vigor do GMDSS. Os Oficiais de Náutica passaram a exercer as funções sem contudo receber a mais por isso. As estações de radiocomunicações passaram a ser paióis de materiais.
O enfermeiro (ASD) também não demorou muito a ser retirado do cartão quando os navios passaram a fazer somente grande cabotagem. Novamente, os Oficiais de Náutica treinados no Curso de Cuidados Médicos a Bordo começaram a desenvolver as funções.
O Primeiro Oficial de Máquinas e o Condutor passaram a tirar serviço com a retirada de um marinheiro de máquinas e de um Segundo Oficial de Máquinas.
O Imediato que antes era responsável pela disciplina de bordo, manutenção dos equipamentos, carga e descarga, também passou a tirar serviço com a retirada de um Oficial de Náutica.
O quadro de convés também foi reduzido com a saída de 1 Marinheiro de Convés e de 1 Moço de convés. O mestre de convés e o paioleiro de convés passaram a tirar serviço no porto com a saída destes 2.
Na teoria, mais um marinheiro de máquinas que exercia a função de paioleiro e um bombeador, também foram retirados do cartão de lotação. Porém, na prática, os dois permaneceram a bordo como extra rol.
O cartão de lotação, após as vistorias de renovação do mesmo pela Capitania, sofreram sistemáticas reduções. Um navio que tinha 35 tripulantes foi reduzido a 24 na teoria e 26 na prática.
Um navio em que na manobra de atração costumávamos usar o esquema 4 x 4 x 2. Onde, destes 10 cabos, somente 6 cabos estavam nos guinchos e o restante tínhamos que colocar nos cabeços manualmente. Como fazer manobras de atração desta maneira? Tivemos que guarnecer a proa e popa com tripulantes da área de câmara e de máquinas o que tornou as manobras mais lentas e arriscadas.
As manutenções programadas da Praça de Máquinas sofreram atrasos pois a equipe de manutenção, que incluía o Primeiro Oficial de Máquinas e o condutor, foi reduzida quando estes passaram a tirar serviço.
As manutenções de convés também sofreram perdas devido aos cortes.
Estamos falando em navios que, naquela época, tinham algo em torno de 20 anos de vida. Navios que carregavam dois tipos distintos de carga, minério e óleo. Navios que sofriam diversos tipos de esforços.
TODOS os tripulantes ficaram sobrecarregados.
O nome destas reduções no cartão de lotação era: CORTE DE CUSTOS
Alguns cortes podem ser justificados, não querendo defender o Armador. O Comandante não precisava de um taifeiro a sua e, somente, a sua disposição.
Em outros tempos, antes de começar a embarcar, tínhamos a bordo a figura do Comissário. Este foi substituído por um Oficial de Náutica ou Máquinas e, para tal, este tripulante fazia jus a uma gratificação, chamada de gratificação de gestoria. No caso destes novos cortes, nenhuma gratificação foi paga.
Nesta época, além de tirar quarto de serviço, muitos Oficiais eram responsáveis pela manutenção dos sistemas de combate a incêndio e pela manutenção das baleeiras. Com a chegada do ISM Code também passaram a ministrar palestras e diferentes tipos de treinamento além dos usuais como Incêndio, SOPEP e abandono.
Como fazer isso tudo em viagens curtas a partir do momento em que os navios ficaram dedicados ao alívio dos FPSOs na Bacia de Campos onde o carregamento dura em torno de 48 horas, 24 horas de navegação até São Sebastião, manobra de atração, 36 horas de descarga, manobra de desatracação e mais 24 horas de navegação. Estes tempos de operação são uma média e podem variar para mais ou menos dependendo do FPSO, número de bombas de carga e tipo de produto na descarga.
Enfim, as tripulações diminuíram, a quantidade de serviço aumentou em muito, os salários não acompanharam a evolução do trabalho e da responsabilidade mas conseguimos manter nossos empregos.
Onde estava nosso sindicato? Onde foram parar as greves e lutas? Cadê a união da categoria? A estória se repete ano após ano. Um tripulante não leva navio sozinho. Uma categoria não faz diferença. Todos juntos podemos fazer a diferença.

Retirado do blogmercante
por Victor Nobre

Nenhum comentário:

Postar um comentário